Frase do dia

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Chuva, Palavra Cantada



Após uma seca de quase 2 meses,....... Enfim, hoje está chovendo em Bocaina.

Este video..... muito fofo...... é em homenagem ao meu afilhado Lucas.

sábado, 28 de agosto de 2010

O MUNDO NÃO É MATERNAL..., Martha Medeiros

É bom ter mãe quando se é criança, e também quando se é adulto. Quando se é adolescente a gente pensa que viveria melhor sem ela, mas é erro de cálculo. Mãe é bom em qualquer idade. Sem ela, ficamos órfãos de tudo, já que o mundo lá fora não é nem um pouco maternal conosco.
O mundo não se importa se estamos desagasalhados e passamos fome. Não liga se virarmos a noite na rua, não dá a mínima se estamos acompanhados por maus elementos. O mundo quer defender o seu, não o nosso.
O mundo quer que a gente fique horas no telefone, torrando dinheiro. Quer que a gente case logo e compre um apartamento que vai nos deixar endividados por vinte anos. O mundo quer que a gente ande na moda, que a gente troque de carro, que a gente tenha boa aparência e estoure o cartão de crédito. Mãe também quer que a gente tenha boa aparência, mas está mais preocupada com o nosso banho, com os nossos dentes e nossos ouvidos, com a nossa limpeza interna: não quer que a gente se drogue, que a gente fume, que a gente beba.
O mundo nos olha superficialmente. Não consegue enxergar através. Não detecta nossa tristeza, nosso queixo que treme, nosso abatimento. O mundo quer que sejamos lindos, sarados e vitoriosos para enfeitar a ele próprio, como se fôssemos objetos de decoração do planeta. O mundo não tira nossa febre, não penteia nosso cabelo, não oferece um pedaço de bolo feito em casa.
O mundo quer nosso voto, mas não quer atender nossas necessidades. O mundo, quando não concorda com a gente, nos pune, nos rotula, nos exclui. O mundo não tem doçura, não tem paciência, não pára para nos ouvir. O mundo pergunta quantos eletrodomésticos temos em casa e qual é o nosso grau de instrução, mas não sabe nada dos nossos medos de infância, das nossas notas no colégio, de como foi duro arranjar o primeiro emprego. Para o mundo, quem menos corre, voa. Quem não se comunica se trumbica. Quem com ferro fere com ferro será ferido. O mundo não quer saber de indivíduos, e sim, de slogans e estatísticas.
Mãe é de outro mundo. É emocionalmente incorreta, exclusivista, parcial, metida, brigona, insistente, dramática, chega a ser até corruptível se oferecermos em troca alguma atenção. Sofre no lugar da gente, se preocupa com detalhes e tenta adivinhar todas as nossas vontades, enquanto o mundo propriamente dito exige eficiência máxima, seleciona os mais bem-dotados e cobra caro pelo seu tempo. Mãe é de graça.
.
Martha Medeiros

Isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
.
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa - Obra Poética
Editora Nova Aguilar, p. 165

Nalgum lugar, Zeca Baleiro

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Menos é mais, de Fernanda Pinho

            Nove em cada dez mulheres estão insatisfeitas com seu peso e, claro, eu sou uma delas. Tenho todas as neuroses femininas, por que não sofreria com a mais ferrenha? Meu peso me incomoda, me faz chorar, cutuca minha autoestima. Em dias de TPM então...sou a mais pesada do mundo. Mas chega uma hora em que a gente cansa de se lamentar e toma a decisão derradeira: fazer uma dieta! Possibilidades não faltam: dieta da lua, dieta da sopa, dieta dos pontos, dieta do sangue. No entanto, nenhuma delas, embora vendidas como milagrosas, resolvem meu problema. É que o que me pesa não é o corpo, é a alma.

           Achava que esse seria um problema crônico, que eu carregaria até o fim dos meus dias. Quem já ouviu falar em dieta para a alma, afinal? Até que, numa conversa com minha amiga Thais, em que ela falava sobre seu novo lema de vida, veio a luz. Menos é mais. O novo lema da Thais virou minha dieta. A salvação da minha alma.

           Decidi que era importante começar cortando aquilo o que mais me pesa. E então, Roberto e Erasmo, esses nutricionistas do espírito, me sopraram uma dica: "sei que mundo pesa muitos quilos, não me leve a mal se eu lhe pedir para cortar os grilos". É isso! Tenho certeza de que se eu conseguir eliminar os grilos da minha vida - ou cismas, já que não estamos mais nos anos 70 - ficarei consideravelmente mais leve com o tempo. Claro que não é assim tão simples. As cismas são atraentes, por isso é tão difícil se desapegar delas. E vem sempre servidas com acompanhantes tão atraentes quanto: dúvida, insegurança, medo. É difícil resistir. A cisma está para a alma assim como o carboidrato está para o corpo. Você se farta deles e depois tem que conviver com a culpa. E com a indigestão. Se bater aquela vontade incontrolável de ter uma cisminha, adotarei a mesma conduta para o consumo de lembranças do passado: a prioridade é consumir de manhã, já que terei o dia todo para me livrar daquilo. À noite, os revertérios são danosos.

         Aperitivos como fazer telefonemas de madrugada, mandar e-mail ou estabelecer qualquer tipo de comunicação (eletrônica ou não) com pessoas que não se importam comigo também estão terminantemente proibidos. É difícil, mas não impossível. Se bater aquela ânsia de fazer uma loucurinha, vou ler um livro, assistir um episódio do meu seriado preferido, ouvir uma música. Funciona como barrinhas de cereal (só que é bem mais gostoso) e ainda ajuda a evitar o acúmulo de tristezinhas localizadas.

          Sonhos e preocupações com o futuro são permitidos. Saco vazio não para em pé. E alma sem sonho também não. Mas tudo em excesso faz mal. O ideal é consumir sonhos um dia sim e outro não. Nos dias "não", vou tentar sossegar o espírito com sonhos de padaria.

         Preocupação com o que os outros vão pensar e sentimentos por quem não merece? Esquecerei! Não tenho a menor intenção de ter uma alma obesa mórbida. Do jeito que tá já tá difícil carregar. Para não ficar aquele vazio é só eu substituir: preocupação agora só com a minha própria vida e sentimentos apenas por quem realmente se importa comigo.

        Tenho certeza de que com esses cortes e substituições, em breve estarei como a música de Secos e Molhados: "leve, como leve pluma. Muito leve, pousa". Segunda-feira eu começo.

Fonte: Crônica do Dia

www.blogdaferdi.blogspot.com

Esboço para uma Teoria das Emoções, Sartre

"Essa 'assunção' de si que caracteriza a realidade humana implica uma compreensão da realidade humana por ela mesma, por obscura que seja esta compreensão. 'No ser desse existente, ele se relaciona ele próprio com seu ser.' É que, de fato, a compreensão não é uma qualidade vinda de fora à realidade humana, é sua própria maneira de existir. Assim, a realidade humana que é eu assume seu próprio ser ao compreendê-lo. Essa compreensão é a minha. Portanto, sou antes de qualquer coisa um ser que compreende mais ou menos obscuramente sua realidade de homem, o que significa que me faço homem ao compreender-me como tal. Posso então me interrogar e, sobre as bases dessa interrogação, levar a cabo uma análise da 'realidade-humana', que poderá servir de fundamento a uma antropologia. Aqui tampouco, naturalmente, não se trata de introspecção, primeiro porque a introspecção só depara com o fato, depois porque minha compreensão da realidade humana é obscura e inautêntica. Ela deve ser explicitada e corrigida. Em todo caso, a hermenêutica da existência vai poder fundar uma antropologia e essa antropologia servirá de base a toda psicologia. Assim estamos na situação inversa da dos psicólogos, uma vez que partimos dessa totalidade sintética que é o homem e estabelecemos a essência do homem antes de estrear em psicologia."


SARTRE, Jean-Paul. 1905-1980. Esboço para uma teoria das emoções / Jean-Paul Sartre; tradução de Paulo Neves. - Porto Alegre: L&PM, 2008.

 

Sugestão do colega: http://recomendeumparagrafo.blogspot.com

terça-feira, 8 de junho de 2010

Epitáfio para o Sec. XX, Affonso R. de Sant’Anna

1.Aqui jaz um século
onde houve duas ou três guerras
mundiais e milhares
de outras pequenas
e igualmente bestiais.

2.Aqui jaz um século
onde se acreditou
que estar à esquerda
ou à direita
eram questões centrais.

3.Aqui jaz um século
que quase se esvaiu
na nuvem atômica.
Salvaram-no o acaso
e os pacifistas
com sua homeopática
atitude
-nux vômica.

4.Aqui jaz o século
que um muro dividiu.
Um século de concreto
armado, canceroso,
drogado,empestado,
que enfim sobreviveu
às bactérias que pariu.

5.Aqui jaz um século
que se abismou
com as estrelas
nas telas
e que o suicídio
de supernovas
contemplou.
Um século filmado
que o vento levou.

6.Aqui jaz um século
semiótico e despótico,
que se pensou dialético
e foi patético e aidético.
Um século que decretou
a morte de Deus,
a morte da história,
a morte do homem,
em que se pisou na Lua
e se morreu de fome.

7.Aqui jaz um século
que opondo classe a classe
quase se desclassificou.
Século cheio de anátemas
e antenas,sibérias e gestapos
e ideológicas safenas;
século tecnicolor
que tudo transplantou
e o branco, do negro,
a custo aproximou.

8.Aqui jaz um século
que se deitou no divã.
Século narciso & esquizo,
que não pôde computar
seus neologismos.
Século vanguardista,
marxista, guerrilheiro,
terrorista, freudiano,
proustiano, joyciano,
borges-kafkiano.
Século de utopias e hippies
que caberiam num chip.

9.Aqui jaz um século
que se chamou moderno
e olhando presunçoso
o passado e o futuro
julgou-se eterno;
século que de si
fez tanto alarde
e, no entanto,
-já vai tarde.

10. Foi duro atravessá-lo.
Muitas vezes morri, outras
quis regressar ao 18
ou 16, pular ao 21,
sair daqui
para o lugar nenhum.

11.Tende piedade de nós, ó vós
que em outros tempos nos julgais
da confortável galáxia
em que irônico estais.
Tende piedade de nós
-modernos medievais-
tende piedade como Villon
e Brecht por minha voz
de novo imploram. Piedade
dos que viveram neste século
per seculae seculorum.

* Este poema foi recitado na voz de Tônia Carrero no CD "Affonso Romano de Sant'Anna por Tônia Carrero" da Coleção "Poesia Falada".

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Soneto, Gregório de Matos

Carregado de mim ando no mundo,

E o grande peso embarga-me as passadas,

Que como ando por vias desusadas,

Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

 

O remédio será seguir o imundo Caminho,

onde dos mais vejo as pisadas,

Que as bestas andam juntas mais ousadas,

Do que anda só o engenho mais profundo.

 

Não é fácil viver entre os insanos,

Erra, quem presumir que sabe tudo,

Se o atalho não soube dos seus danos.

 

O prudente varão há de ser mudo,

Que é melhor neste mundo, mar de enganos,

Ser louco c'os demais, que só, sisudo.

A lucidez perigosa, Clarice Lispector

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

“A Lucidez Perigosa”, in: A Descoberta do Mundo, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, p. 636


OBS: Este poema é resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio, de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice Lispector.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Verbos sujeitos

De Christiaan Oyes e Zélia Duncam

Olhos pra te rever

Boca pra te provar

Noites pra te perder

Mapas pra te encontrar

Fotos pra te reter

Luas pra te esperar

Voz pra te convencer

Ruas pra te avistar

Calma pra te entender

Verbos pra te esclarecer

Sonhos pra te acordar

Taras pra te morder

Cartas pra te selar

Sexo pra estremecer

Contos pra te encantar

Silêncio pra te comover

Música pra te alcançar

Refrão pra te enternecer

E agora só falta você

Meus verbos sujeitos ao seu modo de me acionar

Meus verbos em aberto pra você me conjugar

Quero, vou, fui, não vi, voltei,

Mas sei que um dia, de novo, eu irei….

Christiaan Oyes e Zélia Duncan. In: DUNCAN, Zélia . Acesso. CD Warner Music Brasil, 1998, faixa 2. Duncan Edições Musicais / 2B Produções Artísticas Ltda.- 50% parte de Christiaan Oyes.