O que o poeta quer dizer
no discurso não cabe
e se o diz é pra saber
o que ainda não sabe.
Uma fruta uma flor
um odor que relume...
Como dizer o sabor,
seu clarão seu perfume?
Como enfim traduzir
na lógica do ouvido
o que na coisa é coisa
e que não tem sentido?
A linguagem dispõe
de conceitos, de nomes
mas o gosto da fruta
só o sabes se a comes
só o sabes no corpo
o sabor que assimilas
e que na boca é festa
de saliva e papilas
invadindo-te inteiro
tal do mar o marulho
e que a fala submerge
e reduz a um barulho,
um tumulto de vozes
de gozos, de espasmos,
vertiginoso e pleno
como são os orgasmos
No entanto, o poeta
desafia o impossível
e tenta no poema
dizer o indizível:
subverte a sintaxe
implode a fala, ousa
incutir na linguagem
densidade de coisa
sem permitir, porém,
que perca a transparência
já que a coisa ë fechada
à humana consciência.
O que o poeta faz
mais do que mencioná-la
é torná-la aparência
pura — e iluminá-la.
Toda coisa tem peso:
uma noite em seu centro.
O poema é uma coisa
que não tem nada dentro,
a não ser o ressoar
de uma imprecisa voz
que não quer se apagar
— essa voz somos nós.
Poema extraído dos “Cadernos de Literatura Brasileira”, editados pelo Instituto Moreira Salles — São Paulo, nº 6, setembro de 1998, pág. 77.
Sejam bem-vindos ao nosso blog. Naveguem no oceano das palavras, e aspirem a brisa dos seus significados.
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terça-feira, 27 de outubro de 2009
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Lacerda, de Dias Gomes & Ferreira Gullar
É simples:
em primeiro lugar
é preciso levantar
a bandeira moralista:
mostrar que o Governo é corrupto,
composto de chantagistas,
de ladrões,
de rufiões,
cafetões e vigaristas,
de tubarões,
charlatães,
maganões
e descuidistas.
Isto é muito importante.
Com a bandeira moralista
ganha-se então por inteiro
a famosa classe média,
que sonha ter em virtudes
o que lhe falta em dinheiro.
E como a virtude é rara
e difícil de provar,
torna-se fácil apontar
corrupção no governo.
Gatunagem,
malandragem,
ladroagem,
tratantagem
(Discursa)
"Enquanto o povo brasileiro dorme,
os gatunos agem."
GOMES, Dias. GULLAR, Ferreira. Dr. Getúlio, sua vida e sua glória. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, pp. 55-6.
em primeiro lugar
é preciso levantar
a bandeira moralista:
mostrar que o Governo é corrupto,
composto de chantagistas,
de ladrões,
de rufiões,
cafetões e vigaristas,
de tubarões,
charlatães,
maganões
e descuidistas.
Isto é muito importante.
Com a bandeira moralista
ganha-se então por inteiro
a famosa classe média,
que sonha ter em virtudes
o que lhe falta em dinheiro.
E como a virtude é rara
e difícil de provar,
torna-se fácil apontar
corrupção no governo.
Gatunagem,
malandragem,
ladroagem,
tratantagem
(Discursa)
"Enquanto o povo brasileiro dorme,
os gatunos agem."
GOMES, Dias. GULLAR, Ferreira. Dr. Getúlio, sua vida e sua glória. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, pp. 55-6.
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