Frase do dia

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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Crônica do Dia: CINQUENTINHA >> Fernanda Pinho

Te amo.

Não chora.

Segura na minha mão.

Olha o aviãozinho.

Obedece a tia.

Não briga com sua irmã.

Pro banho, agora.

Sai do sol.

Escovou os dentes?

Arrumou sua cama?

Engole tudo, senão vai ter que ir no médico.

Chocolate, só depois do almoço.

Só se comer tudo.

Lava as mãos antes de comer.

Amarra o cadarço.

Acorda, que você tá atrasada.

Vou chamar seu pai.

Devolve que isso não é seu.

Olha pra atravessar a rua.

Olha o que que você fez!

Olha pra frente.

Olha pra mim.

Silêncio!

Presta a atenção na aula.

Cuidado pra não pegar no olho.

Tem que esperar fazer digestão.

Só vai até o raso, viu?

Me respeita que eu sou sua mãe.

Já fez o dever?

Estudou pra prova?

Cadê seu boletim?

Volta aqui.

Sai do computador.

Abaixa a televisão.

Desliga o telefone!

Quem era?

Leva casaco.

Leva guarda-chuva.

Traz o troco.

Não lê no escuro.

Pede pro seu pai.

Vai aonde?

Vai com quem?

Volta que horas?

Me liga quando chegar lá.

Deixa o celular ligado.

Me dá um toque que eu te busco.

Que cara é essa?

Tá linda!

Deus te abençõe.

50 frases de mãe. Algumas que soam chatas no momento em que ouvimos mas, sem as quais, eu não seria 50% do que eu sou hoje. Uma pequena homenagem à uma pessoa que merece homenagens 50 milhões de vezes melhores. Minha mãe. A mãe que está entre as 50 melhores mães que já existiram (e em primeiro lugar, vejam só!) e que neste setembro completa 50 primaveras. 

Imagem: www.sxc.hu

www.twitter.com/ferdipinho

Fonte: Crônica do Dia: CINQUENTINHA >> Fernanda Pinho

Crônica do Dia: CINQUENTINHA >> Fernanda Pinho

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Poema de Finados, Manuel Bandeira

Amanhã que é dia dos mortosrosas
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.

 
Leva três rosas bem bonitas.
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.


O que resta de mim na vida
É a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero.
E em verdade estou morto ali.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Das Utopias, Mario Quintana

Se as coisas são inatingíveis... ora!


não é motivo para não quere-las...


Que tristes os caminhos, se não fora


a magica presença das estrelas!

Mário Quintana

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Doce sonho, suave e soberano, de Camões

Doce sonho, suave e soberano,
se por mais longo tempo me durara!
Ah! quem de sonho tal nunca acordara,
pois havia de ver tal desengano!

Ah! deleitoso bem! ah! doce engano,
se por mais largo espaço me enganara!
Se então a vida mísera acabara,
de alegria e prazer morrera ufano.

Ditoso, não estando em mim, pois tive,
dormindo, o que acordado ter quisera.
Olhai com que me paga meu destino!

Enfim, fora de mim, ditoso estive.
Em mentiras ter dita razão era,
pois sempre nas verdades fui mofino.

O relógio, João C. de Melo Neto

1.
Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.


Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.


Uma vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.


Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;


e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade


que continua cantando
se deixa de ouvi-lo a gente:
como a gente às vezes canta
para sentir-se existente.

2.
O que eles cantam, se pássaros,
é diferente de todos:
cantam numa linha baixa,
com voz de pássaro rouco;


desconhecem as variantes
e o estilo numeroso
dos pássaros que sabemos,
estejam presos ou soltos;


têm sempre o mesmo compasso
horizontal e monótono,
e nunca, em nenhum momento,
variam de repertório:

 
dir-se-ia que não importa
a nenhum ser escutado.
Assim, que não são artistas
nem artesãos, mas operários


para quem tudo o que cantam
é simplesmente trabalho,
trabalho rotina, em série,
impessoal, não assinado,

de operário que executa
seu martelo regular
proibido (ou sem querer)
do mínimo variar.

3.
A mão daquele martelo
nunca muda de compasso.
Mas tão igual sem fadiga,
mal deve ser de operário;


ela é por demais precisa
para não ser mão de máquina,
a máquina independente
de operação operária.


De máquina, mas movida
por uma força qualquer
que a move passando nela,
regular, sem decrescer:


quem sabe se algum monjolo
ou antiga roda de água
que vai rodando, passiva,
graçar a um fluido que a passa;

 
que fluido é ninguém vê:
da água não mostra os senões:
além de igual, é contínuo,
sem marés, sem estações.

 
E porque tampouco cabe,
por isso, pensar que é o vento,
há de ser um outro fluido
que a move: quem sabe, o tempo.


4.
Quando por algum motivo
a roda de água se rompe,
outra máquina se escuta:
agora, de dentro do homem;


outra máquina de dentro,
imediata, a reveza,
soando nas veias, no fundo
de poça no corpo, imersa.

 
Então se sente que o som
da máquina, ora interior,
nada possui de passivo,
de roda de água: é motor;

 
se descobre nele o afogo
de quem, ao fazer, se esforça,
e que êle, dentro, afinal,
revela vontade própria,


incapaz, agora, dentro,
de ainda disfarçar que nasce
daquela bomba motor
(coração, noutra linguagem)


que, sem nenhum coração,
vive a esgotar, gôta a gôta,
o que o homem, de reserva,
possa ter na íntima poça.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O teu riso, de Pablo Neruda

 

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.


Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.


A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.


Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.


À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.


Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Canção do expedicionário, Guilherme de Almeida

Tarsila_do_Amaral_-_A_Lua                                           A Lua – Tarsila do Amaral

Você sabe de onde eu venho?
Venho do morro, do engenho,
das selvas, dos cafezais,
da choupana onde um é pouco,
dois é bom, três é demais.

Venho das praias sedosas,
das montanhas alterosas,
do pampa, do seringal,
das margens crespas dos rios,
dos verdes mares bravios,
de minha terra natal.


Por mais terras que eu percorra,
não permita Deus que eu morra
sem que eu volte para lá
sem que leve por divisa
esse "V" que simboliza
a vitória que virá:


Nossa Vitória final,
que é a mira do meu fuzil,
a ração do meu bornal,
a água do meu cantil,
as asas do meu ideal,
a glória do meu Brasil!


Eu venho da minha terra,
da casa branca da serra
e do luar do sertão;
venho da minha Maria
cujo nome principia
na palma da minha mão.


Braços mornos de Moema,
lábios de mel de Iracema
estendidos para mim!
Ó minha terra querida
da Senhora Aparecida
e do Senhor do Bonfim!


Você sabe de onde eu venho?
É de uma pátria que eu tenho
no bojo do meu violão;
que de viver em meu peito
foi até tomando um jeito
de um enorme coração.


Deixei lá atrás meu terreiro
meu limão meu limoeiro,
meu pé de jacarandá,
minha casa pequenina
lá no alto da colina
onde canta o sabiá.


Venho de além desse monte
que ainda azula no horizonte,
onde o nosso amor nasceu;
do rancho que tinha ao lado
um coqueiro que, coitado,
de saudade já morreu.


Venho do verde mais belo,
do mais dourado amarelo,
do azul mais cheio de luz,
cheio de estrelas prateadas
que se ajoelham, deslumbradas,

Testamento do Poeta, José Régio

Todo esse vosso esforço é vão, amigos:

Não sou dos que se aceita... a não ser mortos.

Demais, já desisti de quaisquer portos;

Não peço a vossa esmola de mendigos.

 

O mesmo vos direi, sonhos antigos

De amor! olhos nos meus outrora absortos!

Corpos já hoje inchados, velhos, tortos,

Que fostes o melhor dos meus pascigos!

 

E o mesmo digo a tudo e a todos, – hoje

Que tudo e todos vejo reduzidos,

E ao meu próprio Deus nego, e o ar me foge.

 

Para reaver, porém, todo o Universo,

E amar! e crer! e achar meus mil sentidos!....

Basta-me o gesto de contar um verso.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Qualidade de Professor, Cecília Meirelles

 

professor

G1.com: Professora ensina crianças na sala de aula (Foto: Divulgação)

 

Se há uma criatura que tenha necessidade de formar e manter constantemente firme uma personalidade segura e complexa, essa é o professor.
Destinado a pôr-se em contato com a infância e a adolescência, nas suas mais várias e incoerentes modalidades, tendo de compreender as inquietações da criança e do jovem, para bem os orientar e satisfazer sua vida, deve ser também um contínuo aperfeiçoamento, uma concentração permanente de energias que sirvam de base e assegurem a sua possibilidade, variando sobre si mesmo, chegar a apreender cada fenômeno circunstante, conciliando todos os desacordos aparentes, todas as variações humanas nessa visão total indispensável aos educadores.
É, certamente, uma grande obra chegar a consolidar-se numa personalidade assim. Ser ao mesmo tempo um resultado — como todos somos — da época, do meio, da família, com características próprias, enérgicas, pessoais, e poder ser o que é cada aluno, descer à sua alma, feita de mil complexidades, também, para se poder pôr em contato com ela, e estimular-lhe o poder vital e a capacidade de evolução.
E ter o coração para se emocionar diante de cada temperamento.
E ter imaginação para sugerir.
E ter conhecimentos para enriquecer os caminhos transitados.
E saber ir e vir em redor desse mistério que existe em cada criatura, fornecendo-lhe cores luminosas para se definir, vibratilidades ardentes para se manifestar, força profunda para se erguer até o máximo, sem vacilações nem perigos. Saber ser poeta para inspirar. Quando a mocidade procura um rumo para a sua vida, leva consigo, no mais íntimo do peito, um exemplo guardado, que lhe serve de ideal.
Quantas vezes, entre esse ideal e o professor, se abrem enormes precipícios, de onde se originam os mais tristes desenganos e as dúvidas mais dolorosas!
Como seria admirável se o professor pudesse ser tão perfeito que constituísse, ele mesmo, o exemplo amado de seus alunos!
E, depois de ter vivido diante dos seus olhos, dirigindo uma classe, pudesse morar para sempre na sua vida, orientando-a e fortalecendo-a com a inesgotável fecundidade da sua recordação.

Texto de Cecília Meireles, extraído do livro Crônicas de Educação 3

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Epílogos, Gregório de Matos

Epílogos

Que falta nesta cidade?................Verdade
Que mais por sua desonra?...........Honra
Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?..........Negócio
Quem causa tal perdição?.............Ambição
E o maior desta loucura?...............Usura.

Notável desventura
de um povo néscio,e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

Quais são os seus doces objetos?....Pretos
Tem outros bens mais maciços?.....Mestiços
Quais destes lhe são mais gratos?...Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,
que estima por cabedal
Pretos, Mestiços, Mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?...Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas?.........Guardas
Quem as tem nos aposentos?.........Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,
e a terra fica esfaimando,
porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justiça a resguarda?.............Bastarda
É grátis distribuída?......................Vendida
Que tem, que a todos assusta?.......Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.

Que vai pela clerezia?..................Simonia
E pelos membros da Igreja?..........Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha?.....Unha.

Sazonada caramunha!
enfim que na Santa Sé
o que se pratica, é
Simonia, Inveja, Unha.

E nos frades há manqueiras?.........Freiras
Em que ocupam os serões?............Sermões
Não se ocupam em disputas?.........Putas.

Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou?..................Baixou
E o dinheiro se extinguiu?.............Subiu
Logo já convalesceu?.....................Morreu.

À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?...................Não pode
Pois não tem todo o poder?...........Não quer
É que o governo a convence?........Não vence.

Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.


* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *

Gente Humilde

de Vinicius de Moraes e Chico Buarque de Holanda


Tem certos dias em que eu penso em minha gente


E sinto assim todo o meu peito se apertar

Porque parece que acontece de repente

Como um desejo de eu viver sem me notar

Igual a como quando eu passo num subúrbio

Eu muito bem vindo de trem de algum lugar

E aí me dá como uma inveja dessa gente

Que vai em frente sem nem ter com quem contar

São casas simples com cadeiras na calçada

E na fachada escrito em cima que é um lar

Pela varanda flores tristes e baldias

Como a alegria que não tem onde encostar

E aí me dá uma tristeza no meu peito

Feito um despeito de eu não ter como lutar

E eu que não creio, peço a Deus por minha gente

É gente humilde, que vontade de chorar

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O meu impossível, de Florbela Espanca

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Minh 'alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!


Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito. É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...


Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!... Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto...

Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!...

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Soneto, Gregório de Matos

Carregado de mim ando no mundo,

E o grande peso embarga-me as passadas,

Que como ando por vias desusadas,

Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

 

O remédio será seguir o imundo Caminho,

onde dos mais vejo as pisadas,

Que as bestas andam juntas mais ornadas,

Do que anda só o engenho mais profundo.

 

Não é fácil viver entre os insanos,

Erra, quem presumir, que sabe tudo,

Se o atalho não soube dos seus danos.

 

O prudente varão há de ser mudo,

Que é melhor neste mundo em mar de enganos

Ser louco cos demais, que ser sisudo.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Crônica do Amor, Arnaldo Jabor

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?
Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?
Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.
É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim.
Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.
Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!
Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.

 

Arnaldo Jabor

http://www.pensador.info/cronicas_de_arnaldo_jabor/

sábado, 28 de agosto de 2010

O MUNDO NÃO É MATERNAL..., Martha Medeiros

É bom ter mãe quando se é criança, e também quando se é adulto. Quando se é adolescente a gente pensa que viveria melhor sem ela, mas é erro de cálculo. Mãe é bom em qualquer idade. Sem ela, ficamos órfãos de tudo, já que o mundo lá fora não é nem um pouco maternal conosco.
O mundo não se importa se estamos desagasalhados e passamos fome. Não liga se virarmos a noite na rua, não dá a mínima se estamos acompanhados por maus elementos. O mundo quer defender o seu, não o nosso.
O mundo quer que a gente fique horas no telefone, torrando dinheiro. Quer que a gente case logo e compre um apartamento que vai nos deixar endividados por vinte anos. O mundo quer que a gente ande na moda, que a gente troque de carro, que a gente tenha boa aparência e estoure o cartão de crédito. Mãe também quer que a gente tenha boa aparência, mas está mais preocupada com o nosso banho, com os nossos dentes e nossos ouvidos, com a nossa limpeza interna: não quer que a gente se drogue, que a gente fume, que a gente beba.
O mundo nos olha superficialmente. Não consegue enxergar através. Não detecta nossa tristeza, nosso queixo que treme, nosso abatimento. O mundo quer que sejamos lindos, sarados e vitoriosos para enfeitar a ele próprio, como se fôssemos objetos de decoração do planeta. O mundo não tira nossa febre, não penteia nosso cabelo, não oferece um pedaço de bolo feito em casa.
O mundo quer nosso voto, mas não quer atender nossas necessidades. O mundo, quando não concorda com a gente, nos pune, nos rotula, nos exclui. O mundo não tem doçura, não tem paciência, não pára para nos ouvir. O mundo pergunta quantos eletrodomésticos temos em casa e qual é o nosso grau de instrução, mas não sabe nada dos nossos medos de infância, das nossas notas no colégio, de como foi duro arranjar o primeiro emprego. Para o mundo, quem menos corre, voa. Quem não se comunica se trumbica. Quem com ferro fere com ferro será ferido. O mundo não quer saber de indivíduos, e sim, de slogans e estatísticas.
Mãe é de outro mundo. É emocionalmente incorreta, exclusivista, parcial, metida, brigona, insistente, dramática, chega a ser até corruptível se oferecermos em troca alguma atenção. Sofre no lugar da gente, se preocupa com detalhes e tenta adivinhar todas as nossas vontades, enquanto o mundo propriamente dito exige eficiência máxima, seleciona os mais bem-dotados e cobra caro pelo seu tempo. Mãe é de graça.
.
Martha Medeiros

Isto

Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
.
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa - Obra Poética
Editora Nova Aguilar, p. 165

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Esboço para uma Teoria das Emoções, Sartre

"Essa 'assunção' de si que caracteriza a realidade humana implica uma compreensão da realidade humana por ela mesma, por obscura que seja esta compreensão. 'No ser desse existente, ele se relaciona ele próprio com seu ser.' É que, de fato, a compreensão não é uma qualidade vinda de fora à realidade humana, é sua própria maneira de existir. Assim, a realidade humana que é eu assume seu próprio ser ao compreendê-lo. Essa compreensão é a minha. Portanto, sou antes de qualquer coisa um ser que compreende mais ou menos obscuramente sua realidade de homem, o que significa que me faço homem ao compreender-me como tal. Posso então me interrogar e, sobre as bases dessa interrogação, levar a cabo uma análise da 'realidade-humana', que poderá servir de fundamento a uma antropologia. Aqui tampouco, naturalmente, não se trata de introspecção, primeiro porque a introspecção só depara com o fato, depois porque minha compreensão da realidade humana é obscura e inautêntica. Ela deve ser explicitada e corrigida. Em todo caso, a hermenêutica da existência vai poder fundar uma antropologia e essa antropologia servirá de base a toda psicologia. Assim estamos na situação inversa da dos psicólogos, uma vez que partimos dessa totalidade sintética que é o homem e estabelecemos a essência do homem antes de estrear em psicologia."


SARTRE, Jean-Paul. 1905-1980. Esboço para uma teoria das emoções / Jean-Paul Sartre; tradução de Paulo Neves. - Porto Alegre: L&PM, 2008.

 

Sugestão do colega: http://recomendeumparagrafo.blogspot.com

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Soneto, Gregório de Matos

Carregado de mim ando no mundo,

E o grande peso embarga-me as passadas,

Que como ando por vias desusadas,

Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

 

O remédio será seguir o imundo Caminho,

onde dos mais vejo as pisadas,

Que as bestas andam juntas mais ousadas,

Do que anda só o engenho mais profundo.

 

Não é fácil viver entre os insanos,

Erra, quem presumir que sabe tudo,

Se o atalho não soube dos seus danos.

 

O prudente varão há de ser mudo,

Que é melhor neste mundo, mar de enganos,

Ser louco c'os demais, que só, sisudo.

A lucidez perigosa, Clarice Lispector

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

“A Lucidez Perigosa”, in: A Descoberta do Mundo, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, p. 636


OBS: Este poema é resultado do arranjo em versos, feito pelo padre Antônio Damázio, de textos em prosa da extraordinária escritora Clarice Lispector.