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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Acho a maior graça, Martha Medeiros

Acho a maior graça. Tomate previne isso,cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas não exagere…
Diante desta profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos. Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.
Prazer faz muito bem. Dormir me deixa 0 km. Ler um bom livro faz-me sentir novo em folha. Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois rejuvenesço uns cinco anos. Viagens aéreas não me incham as pernas; incham-me o cérebro, volto cheio de idéias. Brigar me provoca arritmia cardíaca. Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago.
Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano. E telejornais… os médicos deveriam proibir – como doem! Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo, faz muito bem! Você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.
Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde! E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda! Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou mussarela que previna.
Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, uau! Cinema é melhor pra saúde do que pipoca! Conversa é melhor do que piada. Exercício é melhor do que cirurgia. Humor é melhor do que rancor. Amigos são melhores do que gente influente. Economia é melhor do que dívida. Pergunta é melhor do que dúvida. Sonhar é melhor do que nada!

Martha Medeiros

sábado, 28 de agosto de 2010

O MUNDO NÃO É MATERNAL..., Martha Medeiros

É bom ter mãe quando se é criança, e também quando se é adulto. Quando se é adolescente a gente pensa que viveria melhor sem ela, mas é erro de cálculo. Mãe é bom em qualquer idade. Sem ela, ficamos órfãos de tudo, já que o mundo lá fora não é nem um pouco maternal conosco.
O mundo não se importa se estamos desagasalhados e passamos fome. Não liga se virarmos a noite na rua, não dá a mínima se estamos acompanhados por maus elementos. O mundo quer defender o seu, não o nosso.
O mundo quer que a gente fique horas no telefone, torrando dinheiro. Quer que a gente case logo e compre um apartamento que vai nos deixar endividados por vinte anos. O mundo quer que a gente ande na moda, que a gente troque de carro, que a gente tenha boa aparência e estoure o cartão de crédito. Mãe também quer que a gente tenha boa aparência, mas está mais preocupada com o nosso banho, com os nossos dentes e nossos ouvidos, com a nossa limpeza interna: não quer que a gente se drogue, que a gente fume, que a gente beba.
O mundo nos olha superficialmente. Não consegue enxergar através. Não detecta nossa tristeza, nosso queixo que treme, nosso abatimento. O mundo quer que sejamos lindos, sarados e vitoriosos para enfeitar a ele próprio, como se fôssemos objetos de decoração do planeta. O mundo não tira nossa febre, não penteia nosso cabelo, não oferece um pedaço de bolo feito em casa.
O mundo quer nosso voto, mas não quer atender nossas necessidades. O mundo, quando não concorda com a gente, nos pune, nos rotula, nos exclui. O mundo não tem doçura, não tem paciência, não pára para nos ouvir. O mundo pergunta quantos eletrodomésticos temos em casa e qual é o nosso grau de instrução, mas não sabe nada dos nossos medos de infância, das nossas notas no colégio, de como foi duro arranjar o primeiro emprego. Para o mundo, quem menos corre, voa. Quem não se comunica se trumbica. Quem com ferro fere com ferro será ferido. O mundo não quer saber de indivíduos, e sim, de slogans e estatísticas.
Mãe é de outro mundo. É emocionalmente incorreta, exclusivista, parcial, metida, brigona, insistente, dramática, chega a ser até corruptível se oferecermos em troca alguma atenção. Sofre no lugar da gente, se preocupa com detalhes e tenta adivinhar todas as nossas vontades, enquanto o mundo propriamente dito exige eficiência máxima, seleciona os mais bem-dotados e cobra caro pelo seu tempo. Mãe é de graça.
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Martha Medeiros

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

De cara lavada - 177

Martha Medeiros
hoje me desfiz dos meus bens
vendi o sofá cujo tecido desenhei
e a mesa de jantar onde fizemos planos

o quadro que fica atrás do bar
rifei junto com algumas quinquilharias
da época em que nos juntamos

a tevê e o aparelho de som
foram adquiridos pela vizinha
testemunha do quanto erramos

a cama doei para um asilo
sem olhar pra trás e lembrar
do que ali inventamos

aquele cinzeiro de cobre
foi de brinde com os cristais
e as plantas que não regamos

coube tudo num caminhão de mudança
até a dor que não soubemos curar
mas que um dia vamos

             Martha Medeiros (1961) é gaúcha de Porto Alegre, onde reside desde que nasceu. Fez sua carreira profissional na área de Propaganda e Publicidade, tenho trabalhado como redatora e diretora de criação em vária agências daquela cidade. Em 1993, a literatura fez com que a autora, que nessa ocasião já tinha publicado três livros, deixasse de lado essa carreira e se mudasse para Santiago do Chile, onde ficou por oito meses apenas escrevendo poesia.
            De volta ao Brasil, começou a colaborar com crônicas para o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, onde até hoje mantém coluna no caderno ZH Donna, que circula aos domingos, e outra — às quartas-feiras — no Segundo Caderno. Escreve, também, uma coluna semanal para o sítio Almas Gêmeas e colabora com a revista Época.
             Seu primeiro livro, Strip-Tease (1985), Editora Brasiliense - São Paulo, foi o primeiro de seus trabalhos publicados. Seguiram-se Meia noite e um quarto (1987), Persona non grata (1991), De cara lavada (1995), Poesia Reunida (1998), Geração Bivolt (1995), Topless (1997) e Santiago do Chile (1996). Seu livro de crônicas Trem-Bala (1999), já na 9a. edição, foi adaptado com sucesso para o teatro, sob direção de Irene Brietzke. A autora é casada e tem duas filhas.

Texto extraído do livro "Martha Medeiros - Poesia Reunida", L&PM Editores - Porto Alegre, 1999, pág. 127.


http://www.releituras.com/mamedeiros_menu.asp

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Velocidade Máxima, de Martha Medereiros

              Você está cansado de saber que hoje em dia não basta ter conhecimento: é preciso ser rápido. Rápido na tomada de decisões, no trato da informação, na geração de novas idéias (e na sua transformação em novos centros de receita), no desenvolvimento da própria carreira. Tornou-se imprescindível pensar rápido, agir rápido, ter um computador supersônico. No mundo dos negócios, não existe um código nacional de trânsito que limite a velocidade dos executivos. Se houvesse, recomendaria: corra. Multa, só para os lentos.

              Os devagar-quase-parando não se estressam para assumir um posto de comando. Sua motivação não está em conquistar prêmios ou um bônus mais polpudo. Não fazem hora extra e, se puderem escapar de uma reunião, tanto melhor. Passam os fins de semana na praia com o celular desligado. Encontram tempo para ver os filhos e os filmes em cartaz. Estão em casa na hora do Jornal Nacional.
               Voltar à caverna, no entanto, está sendo considerado uma atitude moderna. Ao menos é o que prega há anos o sociólogo napolitano Domenico De Masi, que viaja pelo mundo dando palestras que enaltecem as virtudes do ócio criativo. De Masi acredita que trabalhar 10 horas por dia aniquila a criatividade e que todos deveriam cortar pela metade sua carga horária, aproveitando o resto do tempo para fazer qualquer coisa longe das tarefas cotidianas do escritório. Vale bungee jump, vale meditação, vale ouvir Beatles.
               Há quem pense que essa desaceleração é zen-budista demais para quem tem metas concretas como comprar e vender ações na Bolsa de Nova York ou virar presidente de empresa antes dos 40 anos. Mas não há como negar que a inteligência e a cultura são, cada vez mais, os combustíveis que geram novos negócios e determinam a própria ascensão de um profissional. E nenhum dos fatores precisa do horário comercial para ser ativado. Podem estar em combustão durante um mergulho no mar, durante a leitura de um poema, durante uma cavalgada ecológica, talvez até durante o sexo. Durante é exagero. Depois do sexo.
               O conceito de velocidade anda cada vez mais flexível. Para alguns, ser ligeiro significa ultrapassar os ponteiros do relógio, executar um projeto a cada minuto, agendar reuniões, ler apenas livros técnicos, só fazer contatos que sejam política ou economicamente rentáveis e sentir uma culpa tremenda nos coffe breaks, como se parar fosse sinônimo de regredir.
               Outros acreditam que manter um ritmo comedido pode realmente fazer o trabalho render mais. São pessoas que não têm pressa de subir pelo elevador, por exemplo. Preferem subir pela escada, exercitando as pernas e a imaginação, ou jogando conversa fora com um desconhecido. Não tem a pressa de apresentar pareceres e pontos de vista em 60 segundos. Ao contrário, dedicam seu tempo a escutar os pontos de vista alheios. Não têm a pressa de engolir um sanduíche em pé no escritório; reservar um tempo para fazer da gastronomia um hobby. Sem pressa, eles não pegam atalhos: procuram caminhos com paisagem e assim não sofrem com taquicardias e infartos. O estresse envelhece antes da hora. Inclusive as idéias.
               O mundo se apresenta hoje como uma auto-estrada alemã, livre de radares patrulhando a velocidade, onde quem tem mais potência e tecnologia pisa mais fundo, sem olhar para os lados. Você há de concordar que é tenso. Tirando levemente o pé do acelerador, o coração acalma e os olhos percebem melhor o que há nas laterais da pista. Pode-se trocar de música, ajeitar o retrovisor, prestar atenção no que diz o companheiro de viagem. Ou parar e provar uma fruta na beira da estrada. Faz-se tudo correndo muito menos risco de sofrer acidentes e chegando ao destino do mesmo jeito. Na moda, costuma-se dizer que “menos é mais”. Não é uma frase que se aplique literalmente ao mundo dos negócios. Mas sou obrigada a concordar com De Mais: a velocidade máxima permitida para vencer é aquela que não nos deixa esquecer que, além da estrada, existe um troço chamado vida, sem a qual não faz o menor sentido chegar lá.

(Artigo de Martha Medeiros para a revista Exame, edição de 15/12/1999)