Frase do dia

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Relíquia íntima, de Machado de Assis

Ilustríssimo, caro e velho amigo,
Saberás que, por um motivo urgente,
Na quinta-feira, nove do corrente,
Preciso muito de falar contigo.

E aproveitando o portador te digo,
Que nessa ocasião terás presente,
A esperada gravura de patente
Em que o Dante regressa do Inimigo.

Manda-me pois dizer pelo bombeiro
Se às três e meia te acharás postado
Junto à porta do Garnier livreiro:

Senão, escolhe outro lugar azado;
Mas dá logo a resposta ao mensageiro,
E continua a crer no teu Machado.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Velocidade Máxima, de Martha Medereiros

              Você está cansado de saber que hoje em dia não basta ter conhecimento: é preciso ser rápido. Rápido na tomada de decisões, no trato da informação, na geração de novas idéias (e na sua transformação em novos centros de receita), no desenvolvimento da própria carreira. Tornou-se imprescindível pensar rápido, agir rápido, ter um computador supersônico. No mundo dos negócios, não existe um código nacional de trânsito que limite a velocidade dos executivos. Se houvesse, recomendaria: corra. Multa, só para os lentos.

              Os devagar-quase-parando não se estressam para assumir um posto de comando. Sua motivação não está em conquistar prêmios ou um bônus mais polpudo. Não fazem hora extra e, se puderem escapar de uma reunião, tanto melhor. Passam os fins de semana na praia com o celular desligado. Encontram tempo para ver os filhos e os filmes em cartaz. Estão em casa na hora do Jornal Nacional.
               Voltar à caverna, no entanto, está sendo considerado uma atitude moderna. Ao menos é o que prega há anos o sociólogo napolitano Domenico De Masi, que viaja pelo mundo dando palestras que enaltecem as virtudes do ócio criativo. De Masi acredita que trabalhar 10 horas por dia aniquila a criatividade e que todos deveriam cortar pela metade sua carga horária, aproveitando o resto do tempo para fazer qualquer coisa longe das tarefas cotidianas do escritório. Vale bungee jump, vale meditação, vale ouvir Beatles.
               Há quem pense que essa desaceleração é zen-budista demais para quem tem metas concretas como comprar e vender ações na Bolsa de Nova York ou virar presidente de empresa antes dos 40 anos. Mas não há como negar que a inteligência e a cultura são, cada vez mais, os combustíveis que geram novos negócios e determinam a própria ascensão de um profissional. E nenhum dos fatores precisa do horário comercial para ser ativado. Podem estar em combustão durante um mergulho no mar, durante a leitura de um poema, durante uma cavalgada ecológica, talvez até durante o sexo. Durante é exagero. Depois do sexo.
               O conceito de velocidade anda cada vez mais flexível. Para alguns, ser ligeiro significa ultrapassar os ponteiros do relógio, executar um projeto a cada minuto, agendar reuniões, ler apenas livros técnicos, só fazer contatos que sejam política ou economicamente rentáveis e sentir uma culpa tremenda nos coffe breaks, como se parar fosse sinônimo de regredir.
               Outros acreditam que manter um ritmo comedido pode realmente fazer o trabalho render mais. São pessoas que não têm pressa de subir pelo elevador, por exemplo. Preferem subir pela escada, exercitando as pernas e a imaginação, ou jogando conversa fora com um desconhecido. Não tem a pressa de apresentar pareceres e pontos de vista em 60 segundos. Ao contrário, dedicam seu tempo a escutar os pontos de vista alheios. Não têm a pressa de engolir um sanduíche em pé no escritório; reservar um tempo para fazer da gastronomia um hobby. Sem pressa, eles não pegam atalhos: procuram caminhos com paisagem e assim não sofrem com taquicardias e infartos. O estresse envelhece antes da hora. Inclusive as idéias.
               O mundo se apresenta hoje como uma auto-estrada alemã, livre de radares patrulhando a velocidade, onde quem tem mais potência e tecnologia pisa mais fundo, sem olhar para os lados. Você há de concordar que é tenso. Tirando levemente o pé do acelerador, o coração acalma e os olhos percebem melhor o que há nas laterais da pista. Pode-se trocar de música, ajeitar o retrovisor, prestar atenção no que diz o companheiro de viagem. Ou parar e provar uma fruta na beira da estrada. Faz-se tudo correndo muito menos risco de sofrer acidentes e chegando ao destino do mesmo jeito. Na moda, costuma-se dizer que “menos é mais”. Não é uma frase que se aplique literalmente ao mundo dos negócios. Mas sou obrigada a concordar com De Mais: a velocidade máxima permitida para vencer é aquela que não nos deixa esquecer que, além da estrada, existe um troço chamado vida, sem a qual não faz o menor sentido chegar lá.

(Artigo de Martha Medeiros para a revista Exame, edição de 15/12/1999)

Alma minha gentil, de Camões

Ler, Luis Fernado Veríssimo

Quero, Carlos Drummond de Andrade


Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

Canção e calendário, de Oswald de Andrade.

"Cântico dos Cânticos para flauta e violão."

Sol de montanha
Sol esquivo de montanha
Felicidade
Teu nome é
Maria Antonieta d' Alkmin
No fundo do poço
No cimo do monte
No poço sem fundo
Na ponte quebrada
No rego da fonte
Na ponta da lança
No monte profundo
Nevada
Entre os crimes contra mim
Maria Antonieta d' Alkmin

Felicidade forjada nas trevas
Entre os crimes contra mim
Sol de montanha
Maria Antonieta d'Alkmin

Não quero mais as moreninhas de Macedo
Não quero mais as namoradas
Do senhor poeta
Alberto d'Oliveira
Quero você
Não quero mais
Crucificadas em meus cabelos
Quero você

Não quero mais
A inglesa Elena
Não quero mais
A irmã da Nena
Não quero mais
A bela Elena
Anabela
Ana Bolena
Quero você

Toma conta do céu
Toma conta da terra
Toma conta do mar
Toma conta de mim
Maria Antonieta d'Alkmin

E se ele vier
Defenderei
E se ela vier
Defenderei
E se eles vierem
Defenderei
E se elas vierem todas
Numa guilanda de flechas
Defenderei
Defenderei
Defenderei

Cais de minha vida
Partida sete vezes
Cais de minha vida quebrada
Nas prisões
Suada nas ruas
Modelada
Na aurora indecisa dos hospitais

Bonançosa bonança.

Conceitos e Noções Gerais de Dissertação

O texto dissertativo cumpre a função de discutir um tema de forma mais objetiva, sem a utilização de figuras (ou apresentando poucas figuras). O assunto é exposto de maneira direta e não há a progressão temporal observada no texto narrativo, mas uma progressão lógica. O texto dissertativo procura fazer uma generalização, por oposição ao texto dissertativo; quando há a menção a um ser, é para que dele se retire uma característica observada em todos os seres. O texto científico é um bom exemplo disso, o objetivo é extrair do particular um fenômeno que sirva para todas as espécies.
Eis as características do texto dissertativo:

  • progressão lógica;


  • generaliza o ser;


  • texto temático.

Existem dois tipos de dissertação: a dissertação expositiva e a dissertação argumentativa. A primeira tem como objetivo expor, explicar ou interpretar idéias; a segunda procura persuadir o leitor ou ouvinte de que determinada tese deve ser acatada. Na dissertação argumentativa, além disso, tentamos, explicitamente, formar a opinião do leitor ou ouvinte, procurando persuadi-lo de que a razão está conosco.
Na dissertação expositiva, podemos explanar sem combater idéias de que discordamos. Por exemplo, um professor de História pode fazer uma explicação sobre os modos de produção, aparentando impessoalidade, sem tentar convencer seus alunos das vantagens das vantagens e desvantagens deles. Mas, se ao contrário, ele fizer uma explanação com o propósito claro de formar opinião dos seus alunos, mostrando as inconveniências de determinado sistema e valorizando um outro, esse professor estará argumentando explicitamente.
Para a argumentação ser eficaz, os argumentos devem possuir consistência de raciocínio e de provas. O raciocínio consistente é aquele que se apóia nos princípios da lógica, que não se perde em especulações vãs, no “bate-boca”estéril. As provas, por sua vez, servem para reforçar os argumntos. Os tipos mais comuns de provas são: os fatos-exemplos, os dados estatísticos e o testemunho.

Como fazer uma dissertação argumentativa ?

Como fazer nossas dissertações? Como expor com clareza nosso ponto de vista? Como argumentar coerentemente e validamente? Como organizar a estrutura lógica de nosso texto, com introdução, desenvolvimento e conclusão?

Vamos supor que o tema proposta seja: Nenhum homem é uma ilha.
Primeiro, precisamos entender o tema. Ilha, naturalmente, está em sentido figurado, significando solidão, isolamento.

Vamos sugerir alguns passos para a elaboração do rascunho de sua redação.

1. Transforme o tema em uma pergunta:  Nenhum homem é uma ilha?

2. Procure responder essa pergunta, de um modo simples e claro, concordando ou discordando (ou, ainda, concordando em parte e discordando em parte): essa resposta é o seu ponto de vista.

3. Pergunte a você mesmo, o porquê de sua resposta, uma causa, um motivo, uma razão para justificar sua posição: aí estará o seu argumento principal.

 4. Agora, procure descobrir outros motivos que ajudem a defender o seu ponto de vista, a fundamentar sua posição. Estes serão argumentos auxiliares.

 5.Em seguida, procure algum fato que sirva de exemplo para reforçar a sua posição. Este fato-exemplo pode vir de sua memória visual, das coisas que você ouviu, do que você leu. Pode ser um fato da vida política, econômica, social. Pode ser um fato histórico. Ele precisa ser bastante expressivo e coerente com o seu ponto de vista. O fato-exemplo, geralmente, dá força e clareza à nossa argumentação. Esclarece a nossa opinião, fortalece os nossos argumentos. Além disso, pessoaliza o nosso texto, diferencia o nosso texto: como ele nasce da experiência de vida, ele dá uma marca pessoal à dissertação.

 6. A partir desses elementos, procure juntá-los num texto, que é o rascunho de sua redação. Por enquanto, você pode agrupá-los na seqüência que foi sugerida:

 
Os passos

1) interrogar o tema;
2) responder, com a opinião
3) apresentar argumento básico
4) apresentar argumentos auxiliares
5) apresentar fato- exemplo
6) concluir

Como ficaria o esquema ?

1º parágrafo: a tese
2º parágrafo: argumento 1
3º parágrafo: argumento 2
4º parágrafo: fato-exemplo
5º parágrafo: conclusão

Exemplo de redação com esse esquema:
Tema: Como encarar a questão do erro
Título: Buscar o sucesso
Tese

1º§ O homem nunca pôde conhecer acer-tos sem lidar com seus erros.
Argumentação

2º§ O erro pressupõe a falta de conheci-mento ou experiência, a deficiência de sintonia entre o que se propõe a fazer e os meios para a realização do ato. Deriva-se de inúmeras causas, que incluem tanto a falta de informação, como a inabilidade em lidar com elas.

3º§ Já acertar, obter sucesso, constitui-se na exata coordenação entre informação e execu-ção de qualquer atividade. É o alinhamento preci-so entre o que fazer e como fazer, sendo esses dois pontos indispensáveis e inseparáveis.

Fato-exemplo
4º§ Como atingir o acento? A experiência é fundamental e, na maior das vezes, é alicerçada em erros anteriores, que ensinarão os caminhos para que cada experiência ruim não mais ocorra. Assim, um jovem que presta seu primeiro vesti-bular e fracassa pode, a partir do erro, descobrir seus pontos falhos e, aos poucos, aliar seus co-nhecimentos à capacidade de enfrentar uma situa-ção de nova prova e pressão. Esse mesmo jovem, no mercado de trabalho, poderá estar envolvido em situações semelhantes: seus momentos de fracasso estimularão sua criatividade e maior em-penho, o que fatalmente levará a posteriores acertos fundamentais em seu trabalho.

Conclusão
5º§ Assim, o aparecimento dos erros nos atos humanos é inevitável. Porém, é preciso, aci-ma de tudo, saber lidar com eles, conscientizar-se de cada ato falho e tomá-los como desafio, nunca se conformando, sempre buscando a superação e o sucesso. Antes do alcance da luz, será sempre preciso percorrer o túnel.

(Redação de aluno.)

(in Novo Manual da Nova Cultural - Redação, Gramática, Literatura e Interpretação de Textos, de Emília Amaral e outros)  Disponível: http://www.portaldasletras.com.br/

domingo, 20 de setembro de 2009

Convite a Marilia, de Bocage

Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus úmidos vapores;
A fértil primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste:

Varrendo os ares o sutil nordeste
Os torna azuis; as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste:

Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo:

Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A cidade sitiada, de Clarice Lispector (1949)

O subúrbio de S. Geraldo, no ano de 192..., já misturava ao cheiro de estrebaria algum progresso. Quanto mais fábricas se abriam nos arredores, mais o subúrdio se erguia em vida própria sem que os habitantes pudessem dizer que transformação os atingia. Os movimentos já se haviam congestionado e não se poderia atravessar uma rua sem desviar-se de uma carroça que os cavalos vagarosos puxavam, enquanto um automóvel impaciente buzinava atrás lançando fumaça. Mesmo os crepúsculos eram agora enfumaçados e sanguinolentos.
De manhã, entre os caminhões que pediam passagem para a nova usina, transportando madeira e ferro, as cestas de peixe se espalhavam pela calçada, vindas através da noite de centros maiores. Dos sobrados desciam mulheres despenteadas com panelas, os peixes eram pesados quase na mão, enquanto vendedores em manga de camisa gritavam os preços. E quando sobre o algre movimento da manhã soprava o vento fresco e perturbador, dir-se-ia que a população inteira se preparava para um embarque.
Ao pôr do sol galos invisíveis ainda cocoricavam. E misturando-se ainda à poeira metálica das fábricas o cheiro das vacas nutria o entardecer. Mas de noite, com as ruas subitamente desertas, já se respirava o silêncio com desassossego, como numa cidade; e nos andares piscando de luz todos pareciam estar sentados. As noites cheiravam a estrume e eram frescas. Às vezes chovia.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Lacerda, de Dias Gomes & Ferreira Gullar

      É simples:
em primeiro lugar
é preciso levantar
a bandeira moralista:
mostrar que o Governo é corrupto,
composto de chantagistas,
de ladrões,
de rufiões,
cafetões e vigaristas,
de tubarões,
charlatães,
maganões
e descuidistas.
      Isto é muito importante.
      Com a bandeira moralista
ganha-se então por inteiro
a famosa classe média,
que sonha ter em virtudes
o que lhe falta em dinheiro.
     E como a virtude é rara
e difícil de provar,
torna-se fácil apontar
corrupção no governo.
     Gatunagem,
malandragem,
ladroagem,
tratantagem
            (Discursa)
    "Enquanto o povo brasileiro dorme,
os gatunos agem."

GOMES, Dias. GULLAR, Ferreira. Dr. Getúlio, sua vida e sua glória. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, pp. 55-6.