Frase do dia

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O coração humano, de Ferreira de Araújo

É um teatro em que se apresentam todas as cenas, das mais trágicas às mais burlescas. É um manequim a que se acomodam todas as máscaras, a do tirano e a do hipócrita. É um instrumento em que todas as cordas vibram, e que nem sempre anda afinado. Umas vezes restrito e quieto, outras vezes amplo e bulhento como uma hospedaria em que entram caras novas todos os dias.
E nada lhe altera a natureza. Puro e sereno como o céu sem nuvens, negro e sombrio como uma noite de tempestade, é sempre o mesmo o coração humano.
Fala uma língua que em todas as nações se entende, mas de que ninguém pode fixar as regras. Aninha todas as virtudes e todos os vícios, tendo como moral sua, que o leva com igual impulso pelo bem ou pelo mal, para o fim almejado: a satisfação do eu.
Aquilo mesmo que se combinou chamar abnegação, sacrifício, é o egoísmo depurado, a quinta-essência do gozo, que consiste em sofrer, para ter o prazer de evitar o sofrimento àquele a quem o coração se dedica.
Eu creio que no coração humano há um germe de tudo que há de bom e de mau na natureza: o suco de todas as plantas, as que nutrem e as que matam; um pouco de todos os animais indistintamente, leões e cordeiros, o pelicano e o abutre, os que voam e os que se arrastam; as mariposas, que morrem na luz, e os vermes, que nascem na podridão.
Como estranhar que ele seja sublime e covarde, adorável e repugnante, heroicamente grande ou microscopicamente mesquinho?

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