Frase do dia

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Pelas narinas, de Paulo R. Freire

Intervalo de aula em escola pública de Antonina (PR): a molecada, barriga vazia, faz fila para pegar a merenda. Um funcionário do colégio, então, saca um frasco de perfume do bolso, manda uma borrifada num garoto e fala: "Hoje é Ralph Lauren, hein. Quero ver todo mundo cheiroso." A molecada corre, pula, rola no chão, faz aquela algazarra tradicional do intervalo, mas volta perfumada para a sala de aula. Os professores têm adorado.
Em Antonina, é assim, pensa o quê? Segunda-feira, na merenda, em lugar de caldinho, perfume Calvin Klein. Terça, Christian Dior. Quarta, Dolce & Gabanna. Quinta, Gianni Versace. Sexta, Hugo Boss. Tudo porque o Ironaldo Pereira de Deus, ex-prefeito da cidade, gastou o dinheiro do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), reservado à merenda, na contratção de uma empresa que vende perfumes e cosméticos. Bonito. Tá certíssimo. Chega de fazer feio nas grandes avaliações mundiais de educação! Nossos estudantes podem não saber tabuada do dois, mas nem os franceses são mais cheirosos. Sem falar que é coerente, num país que trata educação como perfumaria.
Ironaldo, esse visionário do ensino, é um dos expoentes do que há de mais moderno na educação brasileira: a pedagogia da ausência. Inspirados nas ideias defendidas pelo Jornalista Gilberto Dimenstein, de que o mundo todo, e não só a escola, é um ambiente de aprendizado, nossos governadores confundiram um pouco as coisas e deram um passo à frente (ou atrás), sumindo com a própria escola.
Sentindo, lá de Brasília, o agradável cheiro de perfume francês, o Tribunal de Contas da União (TCU) descobre, toda semana, irregularidades no uso das verbas do FNDE pelo país. Para grande surpresa de todos nós, claro, que nunca desconfiamos de que esse tipo de coisa acontecesse. Ainda bem que não fede.
Paulo R. Freire. Educação. São Paulo: Segmento, ano 28, n. 252, p. 13/abr./2002.

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