Frase do dia

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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Alma minha gentil, de Camões

Ler, Luis Fernado Veríssimo

Quero, Carlos Drummond de Andrade


Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

Canção e calendário, de Oswald de Andrade.

"Cântico dos Cânticos para flauta e violão."

Sol de montanha
Sol esquivo de montanha
Felicidade
Teu nome é
Maria Antonieta d' Alkmin
No fundo do poço
No cimo do monte
No poço sem fundo
Na ponte quebrada
No rego da fonte
Na ponta da lança
No monte profundo
Nevada
Entre os crimes contra mim
Maria Antonieta d' Alkmin

Felicidade forjada nas trevas
Entre os crimes contra mim
Sol de montanha
Maria Antonieta d'Alkmin

Não quero mais as moreninhas de Macedo
Não quero mais as namoradas
Do senhor poeta
Alberto d'Oliveira
Quero você
Não quero mais
Crucificadas em meus cabelos
Quero você

Não quero mais
A inglesa Elena
Não quero mais
A irmã da Nena
Não quero mais
A bela Elena
Anabela
Ana Bolena
Quero você

Toma conta do céu
Toma conta da terra
Toma conta do mar
Toma conta de mim
Maria Antonieta d'Alkmin

E se ele vier
Defenderei
E se ela vier
Defenderei
E se eles vierem
Defenderei
E se elas vierem todas
Numa guilanda de flechas
Defenderei
Defenderei
Defenderei

Cais de minha vida
Partida sete vezes
Cais de minha vida quebrada
Nas prisões
Suada nas ruas
Modelada
Na aurora indecisa dos hospitais

Bonançosa bonança.

domingo, 20 de setembro de 2009

Convite a Marilia, de Bocage

Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus úmidos vapores;
A fértil primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste:

Varrendo os ares o sutil nordeste
Os torna azuis; as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste:

Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo:

Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A cidade sitiada, de Clarice Lispector (1949)

O subúrbio de S. Geraldo, no ano de 192..., já misturava ao cheiro de estrebaria algum progresso. Quanto mais fábricas se abriam nos arredores, mais o subúrdio se erguia em vida própria sem que os habitantes pudessem dizer que transformação os atingia. Os movimentos já se haviam congestionado e não se poderia atravessar uma rua sem desviar-se de uma carroça que os cavalos vagarosos puxavam, enquanto um automóvel impaciente buzinava atrás lançando fumaça. Mesmo os crepúsculos eram agora enfumaçados e sanguinolentos.
De manhã, entre os caminhões que pediam passagem para a nova usina, transportando madeira e ferro, as cestas de peixe se espalhavam pela calçada, vindas através da noite de centros maiores. Dos sobrados desciam mulheres despenteadas com panelas, os peixes eram pesados quase na mão, enquanto vendedores em manga de camisa gritavam os preços. E quando sobre o algre movimento da manhã soprava o vento fresco e perturbador, dir-se-ia que a população inteira se preparava para um embarque.
Ao pôr do sol galos invisíveis ainda cocoricavam. E misturando-se ainda à poeira metálica das fábricas o cheiro das vacas nutria o entardecer. Mas de noite, com as ruas subitamente desertas, já se respirava o silêncio com desassossego, como numa cidade; e nos andares piscando de luz todos pareciam estar sentados. As noites cheiravam a estrume e eram frescas. Às vezes chovia.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Lacerda, de Dias Gomes & Ferreira Gullar

      É simples:
em primeiro lugar
é preciso levantar
a bandeira moralista:
mostrar que o Governo é corrupto,
composto de chantagistas,
de ladrões,
de rufiões,
cafetões e vigaristas,
de tubarões,
charlatães,
maganões
e descuidistas.
      Isto é muito importante.
      Com a bandeira moralista
ganha-se então por inteiro
a famosa classe média,
que sonha ter em virtudes
o que lhe falta em dinheiro.
     E como a virtude é rara
e difícil de provar,
torna-se fácil apontar
corrupção no governo.
     Gatunagem,
malandragem,
ladroagem,
tratantagem
            (Discursa)
    "Enquanto o povo brasileiro dorme,
os gatunos agem."

GOMES, Dias. GULLAR, Ferreira. Dr. Getúlio, sua vida e sua glória. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, pp. 55-6.

Tragédia Brasileira, Manuel Bandeira

Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade.
Conheceu Maria Elvira na Lapa - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-se num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado dos sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.
BANDEIRA, Manuel. Antologia poética. 7. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1974. pp.108-9.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Primeira sombra, Castro Alves

Marieta

Como o gênio da noite, que desata
O véu de rendas sobre a espádua nua,
Ela solta os cabelos... Bate a lua
Nas alvas dobras de um lençol de prata.

O seio virginal, que a mão recata,
Embale o prende a mão... cresce, flutua...
Sonha a moça ao relento ... Além na rua
Preludia um violão na serenata!...

... Furtivos passos morrem no lajedo...
Resvala a escada do balcão discreta...
Matam lábios os beijos em segredo...

Afoga-me os suspiros, Marieta!
Ó surpresa! Ó palor! Ó medo!
Ai! Noites de Romeu e Julieta!...

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Meus oito anos, de Casimiro de Abreu



Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respirar a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! Dias da minha infância!
Oh! Meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
.......................................

Saudades, de Casimiro de Abreu


Saudade, Almeida Júnior

Nas horas mortas da noite
Como é doce meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar!

Nessas horas de silêncio,
De tristezas e de amor,
Eu gosto de ouvir ao longe,
Cheio de mágoa e de dor,
O sino do campanário,
Que fala tão solitário
Com esse tom mortuário,
Que nos enche de pavor.

Então - proscrito e sozinho -
Eu solto aos ecos da serra
Suspiros dessa saudade
Que no meu peito se encerra.

Esses prantos de amargores
São prantos cheios de dores:
- Saudades - dos meus amores,
- Saudades - da minha terra!

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Eu não existo sem você, de Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim

(...)
Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só e grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Lisbon revisited, de Fernando Pessoa (1923)

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) -
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó ceu azul - o mesmo da minha infância -
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu m sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

Fernando Pessoa. Ficções do Interlúdio/4: poesias de Álvaro de Campos.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Funeral Blues, de WH Auden



Parem os relógios
Cortem o telefone
Impeçam o cão de latir
Silenciem os pianos e com um toque de tambor tragam o caixão
Venham os pranteadores
Voem em círculos os aviões escrevendo no céu a mensagem:
"Ele está morto"

Ponham laços nos pescoços brancos das pombas
Usem os policiais luvas pretas de algodão.

Ele era meu norte, meu sul, meu leste e oeste.
Minha semana de trabalho e meu domingo
Meu meio-dia, minha meia-noite.
Minha conversa, minha canção.

Pensei que o amor fosse eterno, enganei-me.
As estrelas são indesejadas agora, dispensem todas.

Embrulhem a lua e desmantelem o sol
Despejem o oceano e varram o bosque
Pois nada mais agora pode servir.

O coração humano, de Ferreira de Araújo

É um teatro em que se apresentam todas as cenas, das mais trágicas às mais burlescas. É um manequim a que se acomodam todas as máscaras, a do tirano e a do hipócrita. É um instrumento em que todas as cordas vibram, e que nem sempre anda afinado. Umas vezes restrito e quieto, outras vezes amplo e bulhento como uma hospedaria em que entram caras novas todos os dias.
E nada lhe altera a natureza. Puro e sereno como o céu sem nuvens, negro e sombrio como uma noite de tempestade, é sempre o mesmo o coração humano.
Fala uma língua que em todas as nações se entende, mas de que ninguém pode fixar as regras. Aninha todas as virtudes e todos os vícios, tendo como moral sua, que o leva com igual impulso pelo bem ou pelo mal, para o fim almejado: a satisfação do eu.
Aquilo mesmo que se combinou chamar abnegação, sacrifício, é o egoísmo depurado, a quinta-essência do gozo, que consiste em sofrer, para ter o prazer de evitar o sofrimento àquele a quem o coração se dedica.
Eu creio que no coração humano há um germe de tudo que há de bom e de mau na natureza: o suco de todas as plantas, as que nutrem e as que matam; um pouco de todos os animais indistintamente, leões e cordeiros, o pelicano e o abutre, os que voam e os que se arrastam; as mariposas, que morrem na luz, e os vermes, que nascem na podridão.
Como estranhar que ele seja sublime e covarde, adorável e repugnante, heroicamente grande ou microscopicamente mesquinho?

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto




1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outro galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

(A Educação pela Pedra)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Sonhos, de Florbela Espanca




Ter um sonho, um sonho lindo,
Noite branda de luar,
Que se sonhasse a sorrir...
Que se sonhasse a chorar...

Ter um sonho, que nos fosse
A vida, a luz, o alento,
Que a sonhar beijasse doce
A nossa boca... um lamento...

Ser pra nós o guia, o norte,
Na vida o único trilho;
E depois ver vir a morte.

Despedaçar esses laços!...
... É pior que ter um filho
Que nos morresse nos braços!

Ensinamento, de Adélia Prado

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Pássaro, de Cecília Meireles



Aquilo que ontem cantava
já não canta
Morreu de uma flor na boa:
não no espinho na garganta.


Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.

Não foi desejo de imprudência:
não foi nada
e o dia toca em silêncio
a desventura causada.

Se acaso isso é desventura
ir-e a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.

Soneto da Perdida Esperança, de Carlos Drummond de Andrade


Perdi o bonde e a esperança
Volto pálido para casa
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
Princípio o drama e da flora.

Não se se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? Na noite escassa,

Com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.