Frase do dia

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Sonhos, de Florbela Espanca




Ter um sonho, um sonho lindo,
Noite branda de luar,
Que se sonhasse a sorrir...
Que se sonhasse a chorar...

Ter um sonho, que nos fosse
A vida, a luz, o alento,
Que a sonhar beijasse doce
A nossa boca... um lamento...

Ser pra nós o guia, o norte,
Na vida o único trilho;
E depois ver vir a morte.

Despedaçar esses laços!...
... É pior que ter um filho
Que nos morresse nos braços!

Ensinamento, de Adélia Prado

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Pássaro, de Cecília Meireles



Aquilo que ontem cantava
já não canta
Morreu de uma flor na boa:
não no espinho na garganta.


Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.

Não foi desejo de imprudência:
não foi nada
e o dia toca em silêncio
a desventura causada.

Se acaso isso é desventura
ir-e a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.

Soneto da Perdida Esperança, de Carlos Drummond de Andrade


Perdi o bonde e a esperança
Volto pálido para casa
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
Princípio o drama e da flora.

Não se se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? Na noite escassa,

Com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.

Haicais

Tudo tem limite,
mesmo sem idéia,
terei outro palplite.

****
É claro que a vida é boa,
ao passo dos tempos,
as coisas mudam à toa.

********

O que lance extraordinário
até a esmola
cai na mão do subsecretário.

******

Mundo, mundo vasto mundo
A cada minuto do relógio
O mundo fica mais imundo.

Autor: Ana Maria Torrecilha Izidoro do Prado

Narração

A narração tem por objetivo contar uma história real, fictícia ou mesclando dados reais e imaginários. Baseia-se numa evolução de acontecimentos mesmo que não mantenham relação de linearidade com o tempo real. Sendo assim, está pautada em verbos de ação e conectores temporais.
A narrativa pode ser em primeira pessoa ou terceira pessoa, dependendo do papel que o narrador assuma em relação à história. Numa narrativa em primeira pessoa, o narrador participa ativamente dos fatos narrados, mesmo que não seja a personagem principal (narrador=personagem). Já a narrativa em terceira pessoa traz o narrador como um observador dos fatos que pode até mesmo apresentar pensamentos de personagens do texto (narrador = observador).
O bom autor toma partido das duas opções de posicionamento para o narrador, a fim de criar uma história mais ou menos parcial, comprometida. Por exemplo, Machado de Assis, o escrever Dom Casmurro, optou pela narrativa em primeira pessoa, justamente para apresentar-nos os fatos segundo um ponto de vista interno, portanto mais parcial e subjetivo.
Ao criar um texto narrativo, deve-se ter em mente seis questões a serem respondidas:
  1. O quê? - trata-se do assunto, do episódio central;
  2. Por quê? Explicam-se as causas do corrido;
  3. Quando? É preciso detalhar o tempo, a época do ocorrido; isto não significa necessariamente a ata específica, e sim qual a sequência das ações;
  4. Onde? O lugar ou os lugares em que se passa a história;
  5. Quem? Os personagens envolvido;
  6. Como? Aqui, pode-se entender de que modo ocorreu a história, de que modo enredaram-se as situações; ou ainda, como a história é/foi contada;

As cousas do Mundo, de Gregório de Matos Guerra

Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
o velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa;
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa.
Mais isento se mostra o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.

Leitura e escrita como experiência - O avesso

Quando penso na leitura como experiência (na escola, na sala de aula ou fora delas), refiro-me a momentos em que fazemos comentários sobre livros ou revistas que lemos, trocando, negando, elogiando ou criticando, contando mesmo. Enfim, situações em que - tal como uma viagem, uma aventura - fala-se de livros e de histórias, contos, poemas ou personagens, compartilhando sentimentos e reflexões, plantando no ouvinte a coisa narrada, criando um solo comum de interlocutores, uma comunidade, uma coletividade. O que faz da leitura uma experiência é entrar nessa corrente em que a leitura é partilhada e, tanto quem lê, quanto quem propiciou a leitura ao escrever, aprendem, crescem, são desafiados.
Defendo a leitura da literatura, da poesia, de textos que têm dimensão artística, não por erudição. Não é o acúmulo de informações sobre clássicos, sobre gêneros ou sobre estilos, escolas ou correntes literária que torna a leitura uma experiência, mas sim o modo de realização dessa leitura: se é capaz de engendrar uma reflexão para além do seu momento em que acontece; se é capaz de ajudar a compreender a história vivida ante e sistematizada ou contada no livros.

Texto: Sônia Kramer. Em: Edwirges Zaccur (org). A magia da linguagem. Rio de Janeiro: DP&A: SEPE, 1999.

sábado, 22 de agosto de 2009

Alumbramento, de Manuel Bandeira



Eu vi os céus! Eu vi os céus!

Oh, essa angélica brancura

Sem tristes pejos e sem véus!


Nem uma nuvem de amargura

Vem a alma desassossegar.

E sinto-a bela... e sinto-a pura...


Eu vi nevar! Eu vi nevar!

Oh, cristalizações da bruma

A amortalhar, a cintilar!


Eu vi o mar! Lírios de espuma

Vinham desabrochar à flor

Da água que o vento desapruma...


Eu vi a estrela do pastor.

Vi a licorne alvinitente!

Vi... vi o rastro do Senhor!...


E vi a Via-Láctea ardente...

Vi comunhões ... capelas ... véus...

Súbito ... alucidamente...


Vi carros triunfais ... troféus...

Pérolas grandes como a lua...

Eu vi os céus! Eu vi os céus!


Eu vi-a nua ... toda nua!

Soneto, de Bocage




Oh retrato da morte, oh noite amiga,
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha do meu pranto,
De meus desgostos secretária antiga!

Pois manda Amor que a ti somente os diga,
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga.

E vós, oh cortesãos da claridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!

Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade
Quero fartar meu coração de horrores.