Frase do dia

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Tragédia Brasileira, Manuel Bandeira

Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade.
Conheceu Maria Elvira na Lapa - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-se num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado dos sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.
BANDEIRA, Manuel. Antologia poética. 7. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1974. pp.108-9.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Primeira sombra, Castro Alves

Marieta

Como o gênio da noite, que desata
O véu de rendas sobre a espádua nua,
Ela solta os cabelos... Bate a lua
Nas alvas dobras de um lençol de prata.

O seio virginal, que a mão recata,
Embale o prende a mão... cresce, flutua...
Sonha a moça ao relento ... Além na rua
Preludia um violão na serenata!...

... Furtivos passos morrem no lajedo...
Resvala a escada do balcão discreta...
Matam lábios os beijos em segredo...

Afoga-me os suspiros, Marieta!
Ó surpresa! Ó palor! Ó medo!
Ai! Noites de Romeu e Julieta!...

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Meus oito anos, de Casimiro de Abreu



Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respirar a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! Dias da minha infância!
Oh! Meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
.......................................

Saudades, de Casimiro de Abreu


Saudade, Almeida Júnior

Nas horas mortas da noite
Como é doce meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a lua majestosa
Surgindo linda e formosa,
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar!

Nessas horas de silêncio,
De tristezas e de amor,
Eu gosto de ouvir ao longe,
Cheio de mágoa e de dor,
O sino do campanário,
Que fala tão solitário
Com esse tom mortuário,
Que nos enche de pavor.

Então - proscrito e sozinho -
Eu solto aos ecos da serra
Suspiros dessa saudade
Que no meu peito se encerra.

Esses prantos de amargores
São prantos cheios de dores:
- Saudades - dos meus amores,
- Saudades - da minha terra!

A clareza no texto

Todo ato efetivo de comunicação depende da clareza. Para obtê-la, é necessário ficar atento à:
  1. utilização de termos precisos, que especifiquem corretamente seres, fatos, circunstâncias, espaço;
  2. posição adequada das palavras na frase;
  3. posição adequada das frases no texto;
  4. pontuação correta.
O emprego incorreto de um ou alguns desses itens pode contribuir para que o texto fique vago ou ambíguo.
Vejamos a ambiguidade.
Leia a frase abaixo e observe o que causou a ambiguidade:
O candidato conversou com o presidente e saiu em defesa de seu partido. (texto de aluno)
Essa frase está ambígua, pois não se sabe se o pronome seu refere-se ao candidato ou ao presidente.
Outro exemplo:
Uma biópsia do tumor retirado do pâncreas do imperador Hiroíto (...) mostrou que ele não era maligno. (Folha de S. Paulo)
Para evitar a ambiguidade, observe se a relação entre cada palavra do seu texto está correta. Uma providência muito simples geralmente permite eliminar o problema: a releitura do texto. Nunca deixe de reler o texto que você produziu, antes de entregá-lo para leitura ou correção.
Mas nem sempre a ambiguidade é um defeito.
A ambiguidade, que pode causar problemas de comunicação, é um recurso propositalmente utilizado em alguns casos, como nas anedotas.
FARACO. Carlos E.; MOURA, Francisco M. Língua e Literatura. 29ª Edição. São Paulo: Editora Ática, Vol 2, 1997. pág. 252.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Eu não existo sem você, de Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim

(...)
Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só e grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Pelas narinas, de Paulo R. Freire

Intervalo de aula em escola pública de Antonina (PR): a molecada, barriga vazia, faz fila para pegar a merenda. Um funcionário do colégio, então, saca um frasco de perfume do bolso, manda uma borrifada num garoto e fala: "Hoje é Ralph Lauren, hein. Quero ver todo mundo cheiroso." A molecada corre, pula, rola no chão, faz aquela algazarra tradicional do intervalo, mas volta perfumada para a sala de aula. Os professores têm adorado.
Em Antonina, é assim, pensa o quê? Segunda-feira, na merenda, em lugar de caldinho, perfume Calvin Klein. Terça, Christian Dior. Quarta, Dolce & Gabanna. Quinta, Gianni Versace. Sexta, Hugo Boss. Tudo porque o Ironaldo Pereira de Deus, ex-prefeito da cidade, gastou o dinheiro do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), reservado à merenda, na contratção de uma empresa que vende perfumes e cosméticos. Bonito. Tá certíssimo. Chega de fazer feio nas grandes avaliações mundiais de educação! Nossos estudantes podem não saber tabuada do dois, mas nem os franceses são mais cheirosos. Sem falar que é coerente, num país que trata educação como perfumaria.
Ironaldo, esse visionário do ensino, é um dos expoentes do que há de mais moderno na educação brasileira: a pedagogia da ausência. Inspirados nas ideias defendidas pelo Jornalista Gilberto Dimenstein, de que o mundo todo, e não só a escola, é um ambiente de aprendizado, nossos governadores confundiram um pouco as coisas e deram um passo à frente (ou atrás), sumindo com a própria escola.
Sentindo, lá de Brasília, o agradável cheiro de perfume francês, o Tribunal de Contas da União (TCU) descobre, toda semana, irregularidades no uso das verbas do FNDE pelo país. Para grande surpresa de todos nós, claro, que nunca desconfiamos de que esse tipo de coisa acontecesse. Ainda bem que não fede.
Paulo R. Freire. Educação. São Paulo: Segmento, ano 28, n. 252, p. 13/abr./2002.

Lisbon revisited, de Fernando Pessoa (1923)

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) -
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó ceu azul - o mesmo da minha infância -
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu m sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

Fernando Pessoa. Ficções do Interlúdio/4: poesias de Álvaro de Campos.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Funeral Blues, de WH Auden



Parem os relógios
Cortem o telefone
Impeçam o cão de latir
Silenciem os pianos e com um toque de tambor tragam o caixão
Venham os pranteadores
Voem em círculos os aviões escrevendo no céu a mensagem:
"Ele está morto"

Ponham laços nos pescoços brancos das pombas
Usem os policiais luvas pretas de algodão.

Ele era meu norte, meu sul, meu leste e oeste.
Minha semana de trabalho e meu domingo
Meu meio-dia, minha meia-noite.
Minha conversa, minha canção.

Pensei que o amor fosse eterno, enganei-me.
As estrelas são indesejadas agora, dispensem todas.

Embrulhem a lua e desmantelem o sol
Despejem o oceano e varram o bosque
Pois nada mais agora pode servir.

O coração humano, de Ferreira de Araújo

É um teatro em que se apresentam todas as cenas, das mais trágicas às mais burlescas. É um manequim a que se acomodam todas as máscaras, a do tirano e a do hipócrita. É um instrumento em que todas as cordas vibram, e que nem sempre anda afinado. Umas vezes restrito e quieto, outras vezes amplo e bulhento como uma hospedaria em que entram caras novas todos os dias.
E nada lhe altera a natureza. Puro e sereno como o céu sem nuvens, negro e sombrio como uma noite de tempestade, é sempre o mesmo o coração humano.
Fala uma língua que em todas as nações se entende, mas de que ninguém pode fixar as regras. Aninha todas as virtudes e todos os vícios, tendo como moral sua, que o leva com igual impulso pelo bem ou pelo mal, para o fim almejado: a satisfação do eu.
Aquilo mesmo que se combinou chamar abnegação, sacrifício, é o egoísmo depurado, a quinta-essência do gozo, que consiste em sofrer, para ter o prazer de evitar o sofrimento àquele a quem o coração se dedica.
Eu creio que no coração humano há um germe de tudo que há de bom e de mau na natureza: o suco de todas as plantas, as que nutrem e as que matam; um pouco de todos os animais indistintamente, leões e cordeiros, o pelicano e o abutre, os que voam e os que se arrastam; as mariposas, que morrem na luz, e os vermes, que nascem na podridão.
Como estranhar que ele seja sublime e covarde, adorável e repugnante, heroicamente grande ou microscopicamente mesquinho?